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pegasi

Num dia estranho em que me apeteceu escrever...

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Bem, nunca tive muito jeito para escrever, nem vontade, mas recentemente deu-me para o fazer por isso aqui fica uma história que comecei...  :D

Eu pensei poder contar-lhe tudo, mas estava errado, e apercebi-me muito tarde disso. E por isso sofri.

  Cheguei à conclusão que não existem pessoas de confiança neste mundo, ou posso ser menos radical, e dizer que existem mas nunca conheci nenhuma. Pelo menos uma que eu possa depositar a minha confiança total, sem questionar se estou realmente a tomar o melhor procedimento. Viver com medo, na possibilidade de ser traído na pior altura — se é que existe uma pior altura para perder a confiança de alguém, que outrora fora a pessoa mais confiável. 

  Perdi completamente essa esperança, quando tudo aconteceu — a esperança de partilhar todos os meus segredos, os segredos tão pesados que não me sentia capaz de os guardar só para mim.

  A vida deixou-me muitas marcas, muitas lacunas na minha memória. Apaguei inconscientemente uma parte do meu passado. Vivo a pensar no presente e a temer pensar no futuro. Quando sonho com o passado já não consigo identificar o que é ou não real. Se pensar racionalmente, ultimamente tornou-se uma tarefa cada vez mais complicada, chego à conclusão que muitas destas coisas não aconteceram, que foi apenas um pesadelo. Que faz tudo parte do meu imaginário.

  Tomei uma decisão, deixar tudo para trás e começar de novo, e tentar, mais uma vez, viver uma vida, uma vida normal. Sem pesadelos, sem pesadelos do presente e do futuro, sem preocupações. Uma família, uma vida, uma história para contar, uma história que todos possam ouvir.

 

 

  Quando Mara deu por si estava num local estranho, com cores fortes e diferentes, nada comparável a tudo o que alguma vez vira. O céu não parecia o mesmo de sempre, de uma cor avermelhada, característica dessa hora do dia, via-se um esverdeado que a nada ela conseguia associar. O solo era idêntico a todo o solo que alguma vez vira. Resultado disso, caminhou durante algum tempo sem tirar os olhos do chão.

  Era de noite, parecia que ia chover e não se avistava nada no horizonte. Mara estava perdida, sem uma direcção a seguir. Decidiu procurar uma boa árvore para se abrigar do tempo, mas não percebia se estava frio ou se estava calor. Só sentia algo de estranho no corpo, e sentia vontade de escapar a essa sensação, de alguma forma.

  Andou durante alguns minutos, mensuráveis pelos dedos, e chegou ao fim da subida que lhe acompanhou durante todo o dia. Procurava ainda uma árvore que se adeqúe a um descanso merecido, e talvez, se conseguir, dormir um pouco. Mas não foi isso que encontrou. Com espanto, Mara avistou uma luz, a menos de trezentos metros a descer — encontrava-se numa montanha—, procurou segui-la, mas a dado momento a luz apagou-se, e Mara perdeu assim a única direcção que tivera desde que escurecera.

  Ficou parada por um momento, olhou para o céu e disse, de si para si, «Bem, aqui também existem estrelas», era algo que Mara apreciava bastante na noite, e sempre que podia olhava para o céu à procura dos sentimentos que emanam das estrelas. Ela recebia esses sentimentos com um misto de alegria e nostalgia. Aplicou um olhar mais profundo e reparou que nunca vira tantas estrelas juntas. As nuvens afastaram-se para mostrar um emaranhado de constelações, brilhantes, uma visão única, mas que pareciam não projectar qualquer luz. Não existindo lua, lá em baixo não se via nada, apenas o solo num raio de metro e meio em sua volta. Sendo assim, pensou ela, «terei de continuar a olhar para o chão, e andar ao mesmo tempo. Quando bater numa árvore paro com certeza».

  Mara estava a ser forte, a tentar bloquear os pensamentos mais negativos. Andou durante algum tempo, e bateu finalmente em algo. Era duro, mesmo para árvore, e grande, criava uma espécie de parede negra à sua frente. Demorou alguns instantes até se recuperar do embate. Ao focar a visão, Mara apercebeu-se que bateu com a cabeça, não numa árvore, mas sim numa parede. Associou essa parede de imediato a uma casa, e a essa casa à fonte de onde proveio a luz que antes vira. Seguiu aos apalpões na esperança de encontrar uma porta, ou uma janela, ou algo que lhe permitisse entrar. Encontrou a extremidade criada por duas paredes, seguiu pela segunda parede, e no meio desta, a porta que procurava.

A porta estava aberta, completamente escura, mas sentiu-se mais protegida ali dentro, como se pudesse finalmente descansar. Um sentimento de alívio apoderou-se dela, os olhos pesados indicavam a mudança de estado, e inevitavelmente fechou-os, deixando-se “navegar” pelo seu inconsciente.



***

“Acorda! Acorda! O que é que fazes aqui? Quem és tu, e o que é que fazes aqui?”

Mara entreabriu os olhos, meio ensonada, viu um rosto pálido fita-la com visível apreensão. O homem fica uns segundos a olhar para ela, como que deixando que ela ganhe consciência, depois voltou a perguntar com frieza. “Diz-me, o que é que fazes dentro desta casa? O que é que te aconteceu?” 

Mara tossiu, e respondeu de acordo com a capacidade intelectual que possuía naquela altura,“Tinha sono.”

“Ah, Ah!” Num tom sarcástico o homem voltou a fita-la, mas desta vez, devido à resposta inesperada de Mara, o seu olhar parecia mais “acessível”, o que a tranquilizou bastante.

  O homem ajudou-a a levantar-se, e puxou-lhe uma cadeira para ela se sentar com ele á mesa da cozinha.

  Mara com os olhos já bem abertos, olhou novamente para o rosto do homem desconhecido. Ao contrário do que lhe dera a parecer, era relativamente novo, mas era mais velho que ela, e a barba preta serrada caracterizavam o seu visível vigor, e dava-lhe uma aparência austera, no entanto, agradável. Tinha olhos verdes, cabelo escuro, nem curto, nem comprido, mas muito despenteado. A sua imponência não deixava trespassar o cansaço. Passou por alguma situação que oferecia um enorme esforço físico, e as suas roupas bem como a sua aparência geral mostravam isso mesmo.

  De novo, o homem puxou a conversa, oferecendo-lhe antes uma chávena de café.

“Agora podemos falar com calma e perceber bem a situação. Então voltemos à primeira pergunta, o que é que fazes aqui? Espero que me dês uma resposta aceitável desta vez!”

Mara reparou que não iria sair dali sem uma boa resposta. Sentiu que nem se poderia mexer enquanto não se despachasse com uma resposta que a livrasse de quaisquer suspeitas infundadas. Pensou antes de começar a falar.

“Bem, eu estava perdida, sem saber para onde ir, era de noite, e encontrei esta casa. Achei que o mais sensato era ficar nela enquanto o sol não nascia.

De certa forma não mentiu, o que lhe agradou, mas também não disse o motivo de ali estar. Esperou que o homem não se lembrasse de mencionar esse facto, e que acreditasse nela e a deixasse ir embora.

  Ficaram a olhar um para o outro, com os olhos sem pestanejar, até que o homem decidiu falar, - parecia que estava a ver se conseguia perceber alguma mentira no pouco que Mara desvendou.

“Muito bem, estavas perdida, era de noite, e decidiste refugiar-te nesta casa. Acho que acredito em ti. E não te preocupes que não te vou perguntar porque motivo estás perdida, não é do meu feitio meter-me demasiado na vida das pessoas, mesmo daquelas que entram dentro das casas de outros sem consentimento.

“Obrigada,” disse Mara, visivelmente aliviada com a perspicácia do homem.

“Não quero ser muito indiscreta, mas, como é que se chama?” Perguntou ela, incrédula com as suas próprias palavras. 

— O homem fitou-a, com um olhar pouco simpático.

“Como não nos vamos voltar a ver, não vejo que exista nenhuma necessidade em saberes o meu nome.”, disse de forma ríspida.

  Com esta mudança de tom de voz, e com a visível apreensão no seu rosto, Mara limitou-se a consentir, sem dizer mais nada.

  O homem tomou a iniciativa de voltar a falar, e disse vagamente.

“Não convém sair de dentro de casa hoje, é perigoso lá fora, por isso acho que o mais sensato seria ficar por aqui até amanha, até tudo acalmar.” O último registo foi como que um sussurro, e Mara não deu a devida importância.

“Amanha de manhã partes, deixas esta casa, e não voltas a passar perto deste local!” Disse o homem asperamente.

Pareceu-lhe mais uma ordem que um aviso, mas Mara não se sentia na posição de fazer qualquer tipo de protesto, então apenas olhou para o homem e disse, “a primeira coisa que vou fazer ao acordar é sair desta casa, por qualquer motivo não me sinto bem neste local, até é um alívio saber que não vou cá voltar mais.” O homem esboçou um sorriso ténue, mas notou-se a sua satisfação.

“Muito bem, fica combinado assim. Agora vou ter de sair, tenho uma coisa muito importante para tratar aqui perto. Mas antes, quero que me prometas que não sairás desta casa, por nenhum motivo, até eu voltar!”

  Mara olhou apreensiva, pensou muita coisa num curto espaço de tempo, mas de alguma forma percebeu que o homem só lhe estava a dar um conselho, o motivo do mesmo não o sabia, mas sabia que ele só a estava a tentar ajudar. Ficou uns segundos completamente estática, reflectiu se não deveria antes fugir, mal o homem saísse daquela porta, mas decidiu acreditar nas suas palavras, tal como este o fez, quando ela apareceu do nada na sua casa com uma história, no mínimo, suspeita.

“Prometo!” Disse prontamente.

“Não seria inteligente da tua parte quebrar essa promessa.” E com isto, saiu sem dizer mais nada.

  Mara voltou a pensar em fugir, mas um barulho muito estranho vindo lá de fora deteve-a. Mesmo com toda a sua desconfiança, algo natural na sua personalidade, acreditava no que o homem disse, mas não deixava de ter a sensação de que estar com aquele homem, e ficar uma noite com ele na mesma casa, seria algo que era, no mínimo, desconfortante.

  Passados alguns minutos Mara voltou a olhar para a casa, o interior estava bastante desarrumado, e via-se que não era pequena, só não estava bem aproveitada. Grande parte da mobília estava revestida com algum tipo de papel. Só se via ao descoberto a parte de uma possível cozinha. Até as paredes estavam forradas, com o forro já bastante velho.

  Mara deu uma volta à casa, procurou alguma coisa de útil, — ao certo não sabia o que procurava. Não encontrou nada de importante, apenas alguns cobertores e um colchão que serviria para ela, pois Mara já tinha decidido que era ela que dormiria no chão, e o homem na sua cama. Também encontrou um género de diário. Estava estranhamente limpo e com a capa impecável, — foi isso que lhe chamou  a atenção. Notou a falta de muitas folhas, e o interior não se encontrava tão bem estimado como o exterior. Sem pensar, e com a sua curiosidade bastante apurada, começou a ler o diário…

  O coração batia-lhe fortemente, e a necessidade de sair daquele sítio encontrava-se cada vez mais presente na sua mente. Questionou-se se aquele diário seria do homem. Custava-lhe a acreditar, mas a vida ensinara-lhe, prematuramente, a não acreditar nas aparências.

  Sentiu um certo remorso por ter lido o diário. Mara sabia que não conseguiria deixar de o ler, mas como acontecera noutras alturas, depois de descobrir alguma coisa que não devia ou que não lhe era directamente destinado, sentia-se mal consigo mesma. Todas as vezes dizia que seria a ultima vez que se meteria na vida das pessoas sem o seu consentimento.

  No entanto tinha plena consciência que a sua curiosidade era algo pelo qual ela não se livraria com grandes facilidades. Não sem um enorme esforço de sua parte. E bem lá no fundo Mara nunca se esforçou muito para que tal acontecesse.

  Desde muito pequena que tinha o hábito de vasculhar nos mistérios da sua família. Às vezes a determinação era tanta em encontrar algo estranho e desconhecido, que nem chegava a ligar às consequências que poderiam surgir. Chegou mesmo a por em perigo a vida de um familiar, sem querer, é um facto, mas foram as suas acções impensadas que tornaram possível esse acontecimento.

  Ao fazer questão de saber mais sobre a tentativa de suicídio do seu tio, da parte do pai, Mara entrou na casa deste sem nenhuma permissão expressa, e como não se conheciam bem, ela não podia arranjar nenhuma desculpa plausível para se safar de uma entrada às escondidas de uma casa alheia, e por conseguinte, a sua intromissão custou-lhe um mês sem sair de casa. Mas não foi a particularidade de ter entrado que lhe custou tanto tempo de castigo. O que levou o pai a aplicar-lhe quatro semanas de castigo foi um problema mais grave, bastante mais grave que o inicial.

  Levada por um ímpeto, sem pensar nas consequências, como era habitual, Mara decidiu continuar as suas explorações pela casa, praticamente desconhecida. O que ela não sabia é que não estava à altura desta exploração em particular.

  Nas suas aventuras anteriores, Mara não foi alem de alguns castigos pequenos, e nunca chegou a pôr ninguém em perigo. Mas nesta exploração algo de diferente acontecera.

  Mara continuava a sua exploração, e enquanto pensava estar cada vez mais perto de alguma verdade mirabolante, o seu esforço aumentava cada vez mais, e o seu ser racional escondia-se cada vez mais também. Era como que alguma força exterior a puxasse com demasiada energia, de forma a ela não conseguir equipara-la, não existindo qualquer hipótese de lhe fazer frente.

  Quando Mara encontrara a porta do quarto do tio, um misto de emoções apoderou-se dos seus sentidos e do seu corpo, onde uma forte sensação de êxtase predominava, e a vontade de entrar no quarto a excita-la cada vez mais. Abriu a porta de rompante, sem grandes cuidados.

  Já dentro do quarto Mara encontra alguém junto á cama, não era o seu tio, era alguém mais novo, bastante mais novo que ele.

“Olá! Quem és tu? Eu sou o Ricardo. Como é que te chamas?”

Mara não sabia o que dizer ao rapaz. Este devia ter, não mais, de dez, onze anos. E aparentava um ar bastante frágil e delicado, como se sofresse de alguma doença perigosa.

— Olá. Chamo-me Mara, sou amiga do teu pai. Não lhe ocorreu mais nada para dizer.

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